As Transformações na Legislação Tributária Brasileira do advento do Plano Real à Era Digital
A legislação tributária brasileira passou por significativas mudanças desde a implementação do Plano Real em 1994, que estabilizou a economia brasileira e serviu como catalisador para várias reformas fiscais.
Além disso, a ascensão da internet provocou um profundo impacto não apenas na economia, mas também no arcabouço legal que rege a tributação no país.
Contexto Histórico
O Plano Real foi um marco na economia brasileira, trazendo estabilidade e uma nova ordem econômica que exigiu revisões tributárias substanciais. A consolidação da moeda forte impulsionou o comércio e os investimentos, levando a uma reestruturação das políticas fiscais para adequar-se à nova realidade econômica.
Essas mudanças estiveram em consonância com os princípios constitucionais tributários estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, que preconiza a capacidade contributiva, a igualdade e a progressividade fiscal.
Revolução Digital e Revisões Tributárias
Com o advento da internet, as fronteiras econômicas foram expandidas, criando novos desafios para a legislação tributária.
O comércio eletrônico, por exemplo, cresceu exponencialmente, exigindo que o sistema tributário se adaptasse para lidar com transações que muitas vezes ultrapassam fronteiras físicas e jurisdicionais.
Este cenário impulsionou a criação de novos regimes tributários e a adaptação dos existentes para abranger essas novas modalidades de negócio.
Mudanças no Entendimento do STF
Duas decisões notáveis do STF ilustram a evolução do entendimento jurídico tributário.
Primeiramente, o reconhecimento da imunidade tributária para livros eletrônicos, que inicialmente era restrito a livros físicos. A decisão ampliou a interpretação do conceito de livro, prevista na Constituição, para incluir formatos digitais, entendendo que o objetivo constitucional é promover a cultura e a educação, independentemente do suporte utilizado.
“SÚMULA VINCULANTE 57
A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.”
Outro exemplo é a alteração da jurisprudência relacionada ao ICMS sobre o software. Inicialmente, o STF entendia que o software personalizado deveria ser tributado pelo ICMS por ser considerado um serviço. Em 2021, o STF decidiu que o ICMS não incide sobre o software, independente de ser personalizado ou de prateleira, se distribuído por meio digital, ou seja, download ou nuvem. Nesse caso, o imposto aplicável é o ISS, refletindo o entendimento de que tais operações configuram uma prestação de serviço e não a circulação de uma mercadoria.
“Tema
590 – Incidência de ISS sobre contratos de licenciamento ou de cessão de programas de computador (software) desenvolvidos para clientes de forma personalizada
Tese
É constitucional a incidência do ISS no licenciamento ou na cessão de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para clientes de forma personalizada, nos termos do subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03.“
Projeções para o Futuro da Tributação
Nos próximos anos, espera-se que a fiscalização tributária se torne ainda mais robusta, com o uso intensivo de tecnologias como big data e inteligência artificial (IA). Essas ferramentas permitirão uma análise mais eficiente dos dados, facilitando a identificação de irregularidades e a personalização da fiscalização.
Além disso, é provável que os contribuintes se tornem mais conscientes de suas obrigações fiscais, motivados pelo aumento da transparência e pelo acesso facilitado às informações. Isso poderá levar a uma maior conformidade fiscal, tanto em âmbito federal quanto estadual e municipal.
Comparação com a Legislação Europeia
Na União Europeia, especialmente em países como França, Itália e Alemanha, também se observa uma tendência de adaptação da legislação tributária às realidades digitais. Esses países têm implementado medidas para garantir que empresas digitais multinacionais paguem uma parcela justa de impostos, refletindo o valor econômico que elas geram dentro de cada jurisdição. Cada um destes países adotou estratégias específicas para enfrentar os desafios impostos pela economia digital.
Na França, por exemplo, foi introduzida em 2019 a chamada “taxa GAFA” (Google, Apple, Facebook, Amazon), que impõe um imposto de 3% sobre a receita gerada por empresas de tecnologia digitais que têm receitas globais de mais de €750 milhões e mais de €25 milhões na França. Essa medida visa capturar uma parcela dos lucros que, de outra forma, poderiam não ser tributados devido à localização das sedes dessas empresas em jurisdições de baixa tributação.
Na Itália, uma abordagem semelhante foi adotada com a implementação de um imposto sobre serviços digitais em 2020. Esse imposto também se destina a empresas com um faturamento global significativo, especificamente aquelas que excedem €750 milhões globalmente e €5,5 milhões na Itália. O imposto é calculado sobre os rendimentos provenientes de serviços digitais, incluindo publicidade online, venda de dados e plataformas digitais que permitem a interação entre usuários.
Por fim, na Alemanha, enquanto parte integrante da União Europeia, o país tem trabalhado em colaboração com outras nações europeias para desenvolver uma abordagem coordenada sobre a tributação da economia digital. Isso incluiu a promoção de discussões no âmbito da OCDE para a reforma tributária internacional, visando a implementação de regras que assegurem uma justa distribuição dos direitos tributários entre os países, conforme o local onde os lucros são gerados.
Essas adaptações legislativas refletem um esforço contínuo para modernizar os sistemas tributários a fim de responder adequadamente à evolução do mercado global e das práticas comerciais digitais, assegurando que todas as empresas contribuam de forma equitativa para as receitas fiscais dos países em que operam.
Considerações Finais
A legislação tributária brasileira, desde o Plano Real até a era da internet, demonstra uma evolução constante e alinhada tanto com as transformações tecnológicas quanto com os princípios constitucionais. O desafio para o futuro será continuar a adaptar-se de forma eficaz às rápidas mudanças do mercado global, garantindo que o sistema tributário seja justo, eficiente e capaz de promover o desenvolvimento econômico sem comprometer a equidade fiscal.
O equilíbrio entre inovação tecnológica e conformidade fiscal é crucial para um crescimento sustentável. Portanto, a legislação tributária no Brasil deve continuar a evoluir, inspirando-se em exemplos internacionais e adaptando-se às especificidades nacionais. As autoridades fiscais e os legisladores terão o desafio de interpretar essas tendências e integrá-las em um arcabouço legal que responda tanto às exigências econômicas quanto sociais.
Por fim, a evolução da jurisprudência do STF demonstrará como o Brasil está posicionado não apenas para enfrentar esses desafios, mas também para se destacar como líder na adaptação da legislação tributária à nova era digital. O compromisso contínuo com a revisão e atualização das normas tributárias será fundamental para garantir que o país permaneça competitivo e justo em seu sistema fiscal.