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Em 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou um conjunto de processos que revela tanto a complexidade do Sistema de Justiça brasileiro quanto a ampla variedade de temas submetidos ao tribunal responsável por uniformizar a interpretação da legislação federal.
Em meio a um volume expressivo de demandas, o ano foi marcado pela consolidação de novos parâmetros interpretativos da Corte Especial em assuntos como o combate a práticas processuais abusivas, a gratuidade de justiça e a controvertida fundamentação por referência. O órgão máximo de deliberação do STJ firmou entendimentos em sete precedentes qualificados, correspondentes aos Temas 1.178, 1.198, 1.201, 1.267, 1.282, 1.306 e 1.368.
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Em março, a Corte Especial decidiu, no julgamento do Tema 1.198, que o juiz pode exigir emenda da petição inicial para coibir litigância abusiva. Na ocasião, o colegiado destacou que a possibilidade de o juiz exigir documentos para comprovar o interesse de agir ou a verossimilhança do direito alegado já foi admitida tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes situações.
O ministro Moura Ribeiro, relator, afirmou que essa cautela está em conformidade com princípios constitucionais, como o acesso à Justiça, a proteção do consumidor e a duração razoável do processo. O magistrado ressaltou que o risco de exigências judiciais excessivas deve ser controlado caso a caso, sem se tornar um obstáculo à adoção de boas práticas na condução judicial do processo: "O que não se pode admitir é que o mero risco de decisões judiciais excessivas justifique, antecipadamente, a interdição do poder-dever que o magistrado tem de conduzir e presidir o feito".
No mês de agosto, a Corte Especial considerou válida a homologação de sentenças proferidas no exterior que autorizam a mudança completa do nome de brasileiros, inclusive do sobrenome, quando atendidos os critérios exigidos por lei e pelo regimento interno do STJ para as homologações em geral. A ministra Isabel Gallotti ponderou que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que a lei do domicílio da pessoa rege aspectos como início e fim da personalidade, nome, capacidade e direitos de família. Ela declarou que o procedimento de alteração de nome realizado no exterior não se submete às exigências da Lei de Registros Públicos, tampouco ao rito do registro civil brasileiro.
Quanto à supressão completa do sobrenome, a relatora explicou que, embora a legislação brasileira não aborde expressamente o tema, essa omissão não compromete a validade do ato praticado no exterior. "Não se tratando das matérias de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, não há impedimento quanto à homologação da ##sentença## estrangeira que altera o nome civil da pessoa com base na legislação estrangeira", disse.
No mesmo mês, o colegiado fixou, no Tema 1.201, três teses sobre a aplicabilidade da multa prevista no parágrafo 4º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil (CPC) quando o acórdão recorrido se baseia em precedente qualificado. O ministro Mauro Campbell Marques, relator do recurso repetitivo, frisou que admitir a interposição de recurso contra decisão amparada em precedente vinculante, especialmente quando não há qualquer sinalização de alteração, significaria esvaziar a finalidade do sistema de precedentes. Por essa razão, reforçou que a observância a tais decisões é regra obrigatória no processo civil.
De acordo com o ministro: "Cabe ressaltar que é ônus da parte demonstrar a existência de distinção, em consonância com o Enunciado 9 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado (Enfam). Essa demonstração deve ocorrer de forma fundamentada, de modo que é descabida a simples alegação de indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado".
Ainda em agosto, ao concluir o julgamento do Tema 1.306 dos recursos repetitivos, o colegiado definiu duas teses sobre o uso da fundamentação por referência em decisões judiciais: I) a técnica da fundamentação por referência é permitida desde que o julgador enfrente as novas questões relevantes para o julgamento do processo; II) a reprodução dos fundamentos da decisão agravada, como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado.
Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão rechaçou a chamada "fundamentação por referência exclusiva ou pura" – aquela que se limita a transcrever integralmente fundamentos de outra peça processual, ou a eles fazer referência, sem qualquer exame específico dos argumentos apresentados pela parte. Por outro lado, reafirmou a validade da "fundamentação por referência integrativa ou moderada", que ocorre quando a transcrição de decisão ou parecer anterior é acompanhada de análise própria do magistrado, articulada com as alegações formuladas na impugnação.
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Ministro Luis Felipe Salomão
Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial decidiu, em junho, que a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais é cabível nos casos de alteração substancial da situação do processo, a exemplo do indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
O colegiado acompanhou o ministro Mauro Campbell Marques, relator, o qual lembrou que a decisão que exclui um litisconsorte – o que, de forma análoga, ocorre com o indeferimento do incidente processual – é considerada uma decisão de resolução parcial de mérito e, por consequência, justifica a fixação de honorários advocatícios.
Em fevereiro, ao julgar o Tema 1.282, a Corte Especial deliberou que o pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência para a ação regressiva. Sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, o colegiado fixou que a sub-rogação se restringe à transferência de direitos de natureza material, não alcançando prerrogativas processuais vinculadas a condições personalíssimas do credor.
Nesse sentido, a ministra destacou que o direito de escolher o foro de seu domicílio e a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor não podem ser transferidos por sub-rogação, pois decorrem diretamente de sua condição e da posição de vulnerabilidade que o consumidor ocupa na relação de consumo. "Muito embora a sub-rogação seja a regra nos contratos de seguro, existem limitações acerca de direitos, ações, privilégios e garantias em que se sub-roga o novo credor", afirmou.
No mesmo mês, em julgamento de questão de ordem, o colegiado também definiu que a Lei 14.939/2024 é aplicável aos recursos interpostos antes de sua vigência, devendo ser observada, igualmente, no julgamento dos agravos internos ou regimentais contra decisões monocráticas que não admitiram o recurso devido à não comprovação da falta de expediente forense. O relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira, ponderou que, ante sua natureza processual, a nova lei deve ser aplicada de imediato.
O ministro ressaltou que a nova lei não alterou os requisitos de admissibilidade do recurso, de modo que continua sendo necessário que o recorrente comprove, no momento da interposição, a suspensão do expediente forense no local onde o recurso foi protocolado. "Salvo se houver coisa julgada formal sobre a comprovação de feriado local e ausência de expediente forense, a corte de origem e o tribunal ad quem, enquanto não encerrada a respectiva competência, estarão obrigados a determinar a correção do vício".
Já no julgamento do Tema 1.178, que aconteceu em setembro, a Corte Especial estabeleceu que critérios objetivos, como renda e patrimônio, não podem ser usados na avaliação de hipossuficiência quando se aprecia o pedido de gratuidade de justiça. O colegiado considerou que esses parâmetros só podem ser adotados de forma suplementar, em caso de dúvida quanto ao preenchimento dos pressupostos legais para a concessão do benefício.
Por maioria, foram adotadas três teses propostas pelo relator do tema repetitivo, ministro Og Fernandes: I) é vedado o uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural; II) verificada a existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar ao requerente a comprovação de sua condição, indicando de modo preciso as razões que justificam tal afastamento, nos termos do artigo 99, parágrafo 2º, do CPC; III) cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para o indeferimento do pedido de gratuidade.
Na ocasião, Og Fernandes observou que o CPC prevê a gratuidade de justiça a partir de parâmetro abstrato, sem especificar como deve ser avaliada a condição de hipossuficiência econômica nem os meios de comprovação. Segundo ele, a lei traz apenas a expressão aberta "insuficiência de recursos" e indica que o benefício será conferido "na forma da lei".
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Cumpre ao magistrado analisar as condições econômicas e financeiras da parte postulante da justiça gratuita com base nas peculiaridades do caso concreto. Não há amparo legal para sujeitar-se o deferimento do benefício à observância de determinados requisitos objetivos preestabelecidos judicialmente.
Ministro Og Fernandes
Tese sobre aplicação da Selic a dívidas civis passa a ter efeitos de recurso repetitivo
Em outro julgamento relevante, Tema 1.368, o colegiado fixou o entendimento – agora com efeitos do recurso repetitivo – de que o artigo 406 do Código Civil de 2002, antes da vigência da Lei 14.905/2024, deve ser interpretado no sentido de que a taxa Selic é a taxa de juros de mora aplicável às dívidas civis, por ser essa a taxa em vigor para a atualização monetária e a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
O relator do recurso repetitivo, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, salientou que a Lei 14.905/2024 passou a prever expressamente o uso da Selic quando não houver outra taxa convencionada entre as partes. Com isso – prosseguiu o ministro –, encerrou-se qualquer debate sobre as relações jurídicas constituídas após a alteração legislativa, ficando positivado no ordenamento que a Selic é a taxa referencial aplicável.
"A taxa Selic é a única taxa atualmente em vigor para a mora no pagamento de impostos federais, conforme previsto em diversas legislações tributárias, possuindo também status constitucional a partir da Emenda Constitucional 113", afirmou.
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Fonte: STJ