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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizou, nesta quinta-feira (11), uma audiência pública para debater a viabilidade da exploração de recursos energéticos de fontes não convencionais (óleo e gás de xisto ou folhelho) por meio da técnica conhecida como fraturamento hidráulico (fracking), bem como as condições para que a atividade seja permitida.
Especialistas e representantes de entidades públicas e privadas apresentaram argumentos favoráveis e contrários à prática, que será analisada pela Primeira Seção no Incidente de Assunção de Competência 21 (IAC 21), sob relatoria do ministro Afrânio Vilela.
Na abertura do encontro, o ministro frisou que, em razão de sua complexidade, o caso recebeu a classificação expressa de processo estrutural, seguindo a Resolução 163/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conforme explicado, nesse tipo de processo, busca-se reorganizar uma situação em desconformidade permanente por meio de tramitação diferenciada.

"Essa mesma questão fático-jurídica já foi resolvida de formas diferentes por outros tribunais, o que contribui para a insegurança jurídica sobre o assunto. Dessa forma, o processo estrutural é uma evolução no sentido de podermos acompanhar, de forma alongada, a execução desse julgado", declarou Afrânio Vilela.
Os primeiros expositores contextualizaram o uso do fraturamento hidráulico no Brasil e em outros países, destacando os conflitos e desafios que envolvem sua adoção.
O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Artur Watt Neto, afirmou que é inadequado barrar técnicas de exploração de petróleo e gás com base em riscos abstratos, ressaltando que as tecnologias evoluem e passam por rígidas normas de segurança. Ele citou que a Argentina tem investido de forma massiva em exploração energética com o uso do fraturamento hidráulico, com resultados expressivos em termos de segurança e de volume de produção – a ponto de o Brasil cogitar importar gás do país vizinho.
Para Marcos Troyjo, membro do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial, o debate sobre fraturamento hidráulico deve ser entendido dentro de um cenário global marcado por intensa disputa geopolítica, no qual a posse de ativos energéticos – renováveis ou tradicionais – tornou-se estratégica.
"Apesar do avanço das fontes limpas, o consumo de petróleo, gás e carvão é recorde, e grandes potências, como China, Índia e Estados Unidos, buscam energia barata e segura. O mundo caminha para um ‘ESG 2.0’, em que a geopolítica ganha peso diante da insegurança alimentar, da corrida por minerais críticos e da pressão energética", refletiu Troyjo, referindo-se ao conceito ESG, associado a políticas de meio ambiente, responsabilidade social e governança.
Nesse contexto de disputa geopolítica, Francisco Araújo, representante do Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Minas e Energia (FNSME), avaliou que a regularização do fraturamento hidráulico tornaria o Brasil independente na produção de gás natural.
Gerente jurídico da área ambiental da Petrobras, Frederico de Oliveira Ferreira lembrou que a estatal já utiliza o fraturamento hidráulico no Brasil em fontes convencionais desde 1961. "Hoje, essa técnica é usada rotineiramente. Nesse período, não temos nenhum registro de intercorrências causadas pelo fraturamento", comentou.
Completando o bloco de abertura da audiência, Moara Giasson, diretora do Departamento de Políticas de Avaliação de Impacto Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), fez um contraponto em relação aos primeiros expositores. Ela afirmou que o fracking ameaça diretamente a segurança hídrica, afetando políticas públicas ambientais e as atividades econômicas. Segundo a representante do MMA, o país não tem estrutura para lidar com o volume e a toxicidade dos resíduos, nem tecnologia para tratamento adequado.
No bloco sobre o tema "Riscos Técnico-Científicos: Saúde, Água, Sismicidade e Aspectos Associados", a posição contrária ao fracking se manteve com as apresentações de Bianca Dieile da Silva, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e Marcella Torres, advogada sênior do Programa de Direitos Humanos e Meio Ambiente da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (Aida).
"Nos Estados Unidos, os estados que adotaram o fracking têm 25% a mais de crianças internadas com asma. Também há problemas claros em relação a recém-nascidos, com nascimentos prematuros, problemas congênitos e até mortes. Isso nos preocupa porque temos limitações em nosso Sistema Único de Saúde (SUS)", registrou a representante da Fiocruz.

Em seguida, Adriano Pires Rodrigues, representante da Associação Brasileira dos Produtores Independentes (ABPIP), e Claudio Fontes Nunes, diretor executivo de exploração e produção do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), reforçaram o argumento de que o fracking é uma metodologia capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico, aumentar a segurança energética e substituir outras fontes de energia mais poluentes.
"Consideramos inadequada a proibição prévia e extensiva da metodologia, sem a oportunidade de avaliar tecnicamente a viabilidade, possíveis impactos e meios de mitigação. A avaliação deve ocorrer projeto a projeto pelos órgãos competentes, no seu devido momento, e nunca a priori, desconsiderando as realidades locais", observou Claudio Fontes Nunes.
Representando o Conselho Nacional de Recursos Hídricos do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), Alexandre Saia mencionou que a Resolução ANP 21/2014 oferece segurança à possibilidade de exploração de fontes não convencionais mediante fracking.
"O arcabouço jurídico é compatível e permite que o fracking seja um instrumento legítimo de desenvolvimento regional, econômico, energético e científico, em consonância com a proteção ambiental e com os princípios da gestão sustentável dos recursos hídricos", defendeu.
Ao inaugurar o bloco sobre "Justiça Climática, Desenvolvimento Econômico e Segurança Energética", o presidente do Instituto Internacional Arayara, Juliano Bueno de Araújo, mencionou a situação vivida nos arredores de Vaca Muerta, formação geológica localizada na Patagônia Argentina, que é explorada por meio do fracking.
Ele narrou que, durante as suas pesquisas de campo no país vizinho, encontrou evidências de mutações genéticas em crianças, empobrecimento da população, mortes de nascituros, falência de cooperativas e sindicatos agrícolas, queda nas importações, entre muitos outros problemas advindos do emprego do fracking.
Segundo Juliano, os muitos riscos ambientais incluem altíssimo consumo de água, emissões massivas de metano, sismos induzidos e contaminação da água, do solo e do ar.
No campo social, o defensor público Tiago Fensterseifer, de São Paulo, citou episódios como a tragédia de Mariana (MG) e as enchentes no Rio Grande do Sul para lembrar que os desastres naturais atingem as pessoas de forma diferente conforme a classe social. "Os desastres naturais e climáticos possuem um impacto absolutamente desproporcional em relação a indivíduos e grupos sociais vulneráveis", disse.
O diretor do Departamento de Política de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural do Ministério das Minas e Energia (MME), Carlos Agenor Cabral, sustentou que o Brasil reúne as condições necessárias para adotar a nova tecnologia de forma responsável e segura.
"O atendimento do arcabouço regulatório referente à segurança operacional e da legislação ambiental prevê a adoção de medidas de controle, de monitoramento, de mitigação, de ##prevenção## e de respostas a emergências que minimizarão os riscos de ocorrências de incidentes e vão mitigar os principais impactos ambientais", declarou. Além disso, ele ressaltou a segurança energética e a ampliação dos investimentos no interior do país.
O secretário nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME, Renato Cabral Dias Dutra, também abordou o tema de forma otimista ao afirmar que "o Brasil tem os critérios técnicos e de garantia de redução de riscos mais robustos do mundo para essa atividade".
O representante da Casa Civil da Presidência da República, João Henrique Nascimento, defendeu a tese de que a exploração pelo fraturamento hidráulico deve ser regulamentada com rigor, mas não integralmente proibida. Ele também ponderou que as últimas décadas trouxeram evolução significativa nas técnicas e na segurança para perfuração de poços e gestão hídrica na exploração de recursos energéticos.
A última fala foi do representante do Ministério Público Federal, o subprocurador-geral da República Aurélio Virgílio Veiga Rios. Ele lembrou que, em manifestações recentes, o governo federal orientou os diferentes órgãos públicos do Executivo a adotarem caminhos para uma transição energética que priorize os recursos renováveis. Para o subprocurador-geral, neste momento, o princípio da precaução exige a suspensão das atividades de fracking até o aprofundamento dos estudos e da regulamentação sobre o tema.
A audiência pública contou com espaço para perguntas e respostas, inclusive com a participação de pessoas que acompanhavam a sessão virtualmente.
Confira mais fotos da audiência pública no Flickr.
Clique na imagem pararnassistir à íntegra dos debates:
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Fonte: STJ