Por Erasmo José Steiner
Imagine um chef brasileiro renomado na culinária japonesa criando uma apresentação visual única para seu prato principal, combinando técnicas de montagem e decoração que refletem sua interpretação pessoal da tradição japonesa. Essa apresentação é tão distintiva e esteticamente impressionante que poderia ser considerada uma obra de arte. Sob a proteção dos direitos autorais, o chef pode reivindicar a propriedade intelectual da apresentação visual de seu prato, impedindo que outros reproduzam exatamente a mesma estética sem permissão.
Entretanto, ao examinar
criticamente essa questão, surgem desafios significativos. A definição do que constitui uma
criação original na gastronomia pode ser nebulosa, especialmente considerando a natureza iterativa e colaborativa da culinária. Além disso, a aplicação prática das leis de direitos autorais pode ser complexa, especialmente quando se trata de proteger receitas tradicionais ou técnicas culinárias que podem ser consideradas parte do
patrimônio cultural.
Hipoteticamente, um restaurante japonês em São Paulo desenvolve um novo método de preparo de sushi que aumenta significativamente a e
ficiência do processo, resultando em uma
economia de
tempo e
recursos. Embora essa inovação represente uma melhoria técnica no campo da gastronomia, ela pode não atender aos
critérios de patenteabilidade devido à sua natureza mais incremental e à falta de uma solução técnica completamente nova. Assim, o restaurante enfrenta desafios legais para obter uma patente para seu método inovador, mesmo que traga benefícios tangíveis para o negócio.
Para ilustrar melhor esses conceitos, considere o exemplo do restaurante XYZ, que desenvolveu um novo método de preparo de sushi que reduz significativamente o tempo de produção e aumenta a qualidade do produto final. Ao enfrentar obstáculos para patentear essa inovação, o restaurante se vê em uma encruzilhada legal, pois a aplicação das leis de patentes na gastronomia pode ser complicada devido à natureza fluida e colaborativa da culinária.
A
Lei 9.610/1998, ao proteger
expressões artísticas, engloba as
criações visuais e
estéticas, permitindo que
a apresentação visual dos pratos seja protegida como
obras de arte. Isso inclui a
disposição, a
decoração e o
design único dos pratos, que podem ser considerados
expressões da criatividade do chef. Por outro lado, a
Lei 9.279/96, que
regula as patentes, foca em inovações que oferecem soluções técnicas novas. Na gastronomia, isso poderia se aplicar a
equipamentos inovadores de cozinha ou
métodos revolucionários de preparo de alimentos, desde que atendam aos
critérios de novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial. Ambas as leis, portanto, fornecem um espectro de proteção que abrange desde a estética singular até avanços técnicos no campo culinário.
Rocha e Cortez destacam as complexidades inerentes à proteção intelectual na gastronomia, ressaltando que a aplicação prática das leis de direitos autorais e patentes pode ser desafiadora. Rocha enfatiza a dificuldade de definir e proteger expressões culinárias sob o direito autoral, enquanto Cortez discute os obstáculos enfrentados pelos restaurantes ao tentar patentear inovações técnicas na culinária. Essa análise crítica ressalta a necessidade de uma abordagem mais holística e adaptável para proteger a propriedade intelectual na gastronomia japonesa, considerando tanto os aspectos estéticos quanto os técnicos da criação culinária.
Explorar a aplicabilidade dos direitos autorais na gastronomia revela que, embora a apresentação visual dos pratos possa ser protegida, as receitas em si enfrentam obstáculos legais significativos para a obtenção de patentes. A lei de patentes exige
novidade,
atividade inventiva e
aplicabilidade industrial, critérios difíceis de cumprir para receitas e métodos culinários tradicionais. Isso direciona a discussão para alternativas de proteção, como o
trade dress, que
protege a identidade visual e o estilo de apresentação dos restaurantes, oferecendo um caminho viável para salvaguardar a singularidade sem depender diretamente das leis de patentes.
Outro exemplo hipotético, um restaurante japonês em Florianópolis cria uma atmosfera única e distintiva em seu ambiente, combinando elementos tradicionais da arquitetura japonesa com toques contemporâneos e uma decoração temática cuidadosamente selecionada. Essa identidade visual exclusiva não apenas contribui para a experiência do cliente, mas também se torna uma parte fundamental da marca do restaurante. Ao aplicar o
trade dress, o restaurante pode proteger legalmente sua aparência geral e imagem contra imitações por concorrentes que buscam capitalizar sua popularidade semelhante.
O
trade dress, conceito originário do direito norte-americano, refere-se à proteção da aparência geral e imagem de um estabelecimento comercial ou produto, abrangendo elementos como design, embalagem, cor,
layout e decoração. Sua aplicação aos restaurantes japoneses destaca a importância de elementos distintivos não cobertos por patentes, como o
layout característico e a decoração temática, que são essenciais para criar uma identidade visual única. Essa proteção jurídica ajuda a manter a singularidade dos estabelecimentos, atraindo clientela pela exclusividade e atmosfera proporcionadas, além de servir como uma ferramenta estratégica de marketing e diferenciação no mercado.
REFERÊNCIAS
Coisas do Japão.
Conheça 4 Pratos japoneses que não existem no Japão. Disponível em: https://coisasdojapao.com/2017/02/pratos-japoneses-que-nao-existem-no-japao/. Acesso em: 15 fev. 2024.
CORTEZ, Frederico.
O direito de patente na gastronomia. Focus.Jor, 26 jan. 2020. Disponível em: https://focus.jor.br/o-direito-de-patente-na-gastronomia-por-frederico-cortez/. Acesso em: 15 fev. 2024.
ROCHA, Maria Victória.
A Propriedade Intelectual Pode Proteger as Criações Culinárias.
In: WACHOWICZ, Marcos et al. (Org.). Anais do XV Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, Curitiba, PR, 2022. pp. 16-42. Disponível em: https://www.gedai.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Anais-XV-Codaip_2022.pdf. Acesso em: 15 fev. 2024.